2209-capitulo-2
“Que? Então é verdade?”
“É! Ela disse que viu o médico indo no quarto delas com os próprios olhos!”
Maomao bebeu a sopa enquanto escutava. Centenas de serventes estavam tomando café na vasta sala de jantar. A comida consiste de sopa e mingau de grãos mistos. Ela estava ouvindo duas mulheres que estavam em sua diagonal trocando fofocas. As mulheres se esforçavam para parecerem chateadas com a história, mas o brilho curioso em seus olhos não permitia.
“Ele visitou tanto a Senhora Gyokuyou quanto a Senhora Lihua.”
“Oh, as duas? Mas eles têm apenas seis e três meses, não é?”
“Sim! Talvez realmente tenha uma maldição.”
Aqueles eram os nomes das consortes favoritas do imperador. Seis e três meses eram as idades dos filhos delas.
Rumores eram abundantes no palácio, alguns nasciam do descontentamento das companhias de Sua Majestade e os herdeiros que elas pariram, outros tinham o simples sabor de história de fantasmas, o tipo de lenda contada no verão para se distrair do calor.
“Só pode ser. O que mais poderia ter feito 3 crianças de mães diferentes terem morrido?!”
Todos os descendentes mencionados nasceram de consortes, então na teoria, todos eram herdeiros do trono. Uma das pobres vítimas nasceu antes da ascensão de Sua Majestade ao trono, quando ele ainda vivia no Palácio Leste, e duas outras depois de subir ao trono, mas os três faleceram ainda bebês. Claro que a mortalidade era alta entre os bebês, mas três crianças do imperador morrerem assim era estranho. Apenas duas crianças, uma da Consorte Gyokuyou e outra da Consorte Lihua sobreviveram.
Talvez envenenamento? Maomao ponderou enquanto tomava seu mingau, mas concluiu que não era possível. Pois duas das 3 crianças mortas eram meninas. E em um reino onde apenas homens podem subir ao trono, qual seria a razão para assassinar princesas?
As mulheres estavam tão concentradas conversando sobre maldições e feitiços que pararam de comer. Mas maldições não existem! Pensou Maomao. Burrice, era a única palavra para descrever. Como você poderia destruir um clã todo com uma maldição? Tais questões beiravam a heresia, mas a esperteza de Maomao, pensava de outra maneira.
Será algum tipo de doença? Algo hereditário? Como eles morreram?
E assim uma empregada isolada se juntou à conversa. Não demoraria para Maomao se arrepender de ter sucumbido a sua curiosidade.
“Eu não sei a história completa, mas soube que todos estão definhando!”
Aparentemente, inspirada pela curiosidade de Maomao, Xiaolan, a empregada tagarela, passou a trazer as últimas fofocas diretamente à apotecária. “O médico está vendo mais a Senhora Lihua que a Senhora Gyokuyou, então acho que a Senhora Lihua está pior.” Disse enquanto limpava a janela com um pano.
“A própria Senhora Lihua?”
“Sim, a mãe e a criança?”
Maomao acredita que o médico é mais cuidadoso com a Lady Lihua não porque ela está pior, mas porque sua criança é um pequeno príncipe. Consorte Gyokuyou pariu uma princesa. O Imperador favorece a Gyokuyou, mas quando uma criança é um menino e outra uma menina, o tratamento preferencial será óbvio.
“Como eu disse, eu não sei a história completa, mas me falaram que ela está com enxaqueca, dor de barriga e até um pouco enjoada.” Satisfeita por ter divulgado todas as suas mais recentes descobertas, Xiaolan se ocupou com outra tarefa. Como agradecimento, Maomao a presenteou com chá de alcaçuz. Ela fez com algumas ervas que cresciam nos cantos do jardim central. Possuía um cheiro medicinal, mas era bem doce. Xiaolan ficou entusiasmada – serventes raramente consumiam coisas doces.
Enxaqueca, dor de barriga e enjoo. Maomao tinha algumas ideias de doenças que possuíam esses sintomas, mas não tinha certeza. E seu pai nunca cansou de dizer para ela não pensar assumindo certezas.
Acho que vou fazer uma visitinha.
Maomao estava determinada a terminar seu trabalho o mais rápido possível. O palácio interno era enorme, abrigando mais de duas mil mulheres e quinhentos eunucos. Trabalhadores como Maomao dormiam em até dez pessoas em um só quarto, mas as consortes de baixa posição possuíam seus próprios aposentos, as consortes de posição média tinham seus próprios edifícios e as consortes de alta posição recebiam seus próprios palácios, enormes construções com salas de jantares e jardins, grandes o suficiente para ofuscar uma pequena cidade. Maomao raramente saia de onde vivia: não tinha porque. Ela não tinha tempo ou meios de sair fora quando incumbida de alguma tarefa.
Bem, se eu não tenho tarefa, só preciso criar uma.
Maomao falou com uma mulher segurando um cesto. O cesto continha tecido de seda fina que seria lavado no oeste da lavanderia. Ninguém sabia se era algo diferente na água, ou se as pessoas que lavavam, mas toda seda que ia para a lavanderia leste era arruinada. Maomao sabia que seda estragava se exposta diretamente ao sol ou se ficasse apenas na sombra, mas ela não sentiu vontade de contar isso a alguém.
“Eu queria muito ver aquele eunuco lindo que falam que mora na área central.” Maomao disse utilizando de um dos rumores que Xiaolan a informou, e assim a mulher compadecida lhe entregou a cesta. As chances de romance eram praticamente zero nesse lugar, então até mesmo os eunucos, homens que não são homens, passaram a ser admirados. Existem até mesmo histórias de mulheres que se casaram com eunucos após saírem do palácio. Presume-se que isso era mais saudável que mulheres desejando outras mulheres, mas ainda confundia Maomao.
Me pergunto se algum dia vou ficar igual elas, Maomao refletiu. Ela cruzou os braços e resmungou. Romance não a interessava nenhum pouco.
Ela entregou a cesta de roupas o mais rápido que pôde, e então avistou uma construção completamente em vermelho. Entalhes por toda parte, todo pilar era uma obra de arte única. Cada detalhe foi feito minuciosamente, de modo que qualquer parte era mais requintada que o lado leste. Atualmente, o maior palácio era ocupado pela Consorte Lihua, a mãe do príncipe. O Imperador não tinha uma Imperatriz ainda, o que fazia Lihua, a única mulher com o filho, a pessoa mais poderosa aqui.
A cena que Maomao presenciou parecia ter saído da cidade. Uma mulher irritadiça, outra cabisbaixa, enquanto as outras se reuniam em volta, e um homem tentando separá-las.
Não me parece diferente de um bordel, Maomao pensou, como espectadora da briga.
A mulher irritada era a pessoa mais poderosa do palácio interno, a outra era a segunda mais poderosa, em volta estavam as acompanhantes. O homem no meio (que com certeza não poderia mais ser considerado como um) era o médico. Maomao descobriu isso pelos sussurros ao seu redor. A primeira mulher era a Consorte Lihua, mãe do príncipe Imperial, e a segunda mulher seria a consorte Gyokuyou, abençoada – não tanto quanto Lihua – com uma filha. E ao médico eunuco, Maomao não sabia nada, exceto que só havia um no palácio.
“Isso é coisa sua. Só porque teve uma menina, você colocou uma maldição para o meu príncipe morrer!” Um belo rosto distorcido pela raiva é uma coisa assustadora. Olhos raivosos como de um demônio, pele branca como de um fantasma, estavam encerrando a bela Gyokuyou, que estava com a mão na bochecha. Entre seus dedos era possível ver uma marca vermelha: ela, Maomao assumiu, recebeu um tapa de mão aberta.
“Isso é mentira, e você sabe. Minha Xiaoling está sofrendo igual seu filho.” A segunda mulher tinha cabelos vermelhos e olhos cor de esmeralda, e ela respondeu as acusações educadamente, se referindo a princesa Lingli com um apelido carinhoso. A aparência da Consorte Gyokuyou sugeria que ela possuía sangue ocidental em suas veias. Ela ergueu a cabeça e encarou o médico. “E justamente por isso que pedi para você não negligenciar minha filha.”
O doutor era a razão da intriga entre as duas mulheres. Passou o tempo todo com o jovem príncipe, enquanto negligenciava Gyokuyou. E era possível simpatizar com ela, mas esse era o palácio interno, onde meninos são mais valorizados que meninas. O médico foi pego entre as duas e não conseguia falar.
Que patife esse doutor, Maomao pensou. Ele não percebeu com as duas consortes na frente dele. Como ele ainda não notou? A morte das crianças, as dores de cabeça, dor de barriga e enjoo. Sem falar da Consorte Lihua parecendo um fantasma.
Sussurrando para si mesma, Maomao deixou a briga para trás. Preciso escrever em algo, ela pensou. Estava tão focada em encontrar algo para escrever, que não notou uma pessoa passando ao seu lado.